O TCE é a principal causa de morbi-mortalidade por trauma nos EUA. Um terço de todas as mortes por trauma ocorrem após um traumatismo craniano.[1] A Tomografia Computadorizada de crânio é essencial na avaliação do TCE grave, mas… e nos TCEs leves? Hoje vamos discutir sobre isso, porém antes vamos relembrar a epidemiologia do TCE, uma doença com implicações na saúde pública.
Os poucos estudos nacionais que temos não conseguem demonstrar uma imagem que reflita o Brasil como todo. Aliás, como sugeriu o historiador Darcy Ribeiro, o Brasil é feito de vários brasis. Contudo, podemos ter uma ideia. Segundo Gaudêncio e Leão (2013) [2], homens jovens sofrem mais TCEs e sua principal causa são as quedas. Além disso, a maior parte dos TCEs foi leve (Glascow 13-15). Um outro trabalho de Maia e cols em Minas Gerais [3], demonstrou também que a principal causa de trauma foi a queda da própria altura, e que as complicações evolutivas foram observadas em 30% dos pacientes. Com isso podemos perceber que recortes da nossa população seguem a tendência internacional – que, por sinal, está sempre em mudança [4] -, mas só teremos certeza, após um cuidado maior com a estatística e a coleta de dados no SUS.
Nesse contexto, a Tomografia Computadorizada é importantíssima para detectar lesões intracranianas agudamente [5], pois, como quase tudo no trauma, intervenções precoces diminuem bastante a morbi-mortalidade [6]. Seu papel já está muito bem estabelecido nos casos de TCE grave. Entretanto, em pacientes com TCE leve, seu papel ainda é controverso. E, como podemos ver nas estatísticas e na nossa própria vivência, quedas da própria altura são rotina nas Emergências. Não é incomum atender vários pacientes com a mesma queixa durante um único plantão. Vamos tomografar todo mundo? Vamos irradiar desnecessariamente várias pessoas? Vamos contribuir para que nossas Tomografias, já raras, quebrem com excesso de exames?
Visando responder essas perguntas, Easter e colegas publicaram em Dezembro de 2015 no JAMA – Will Neuroimaging Reveal a Severe Intracranial Injury in This Adult With Minor Head Trauma? [7]– uma revisão sistemática da literatura, racionalizando o uso da TC nesses casos, com a proposta de um fluxograma de atendimento que sugere o uso de duas regras já consagradas: a regra Canadense para TC de Crânio (Canadian Head CT Rule [8]) e o critério de Nova Orleans (The New Orleans Criteria [9]).
Regra Canadense de TC de Crânio
- 65 anos ou mais
- Coagulopatias (Warfarina, anticoagulantes)
- Mecanismo de Trauma Perigoso (pedestre X auto; pessoa ejetada de veículo; quedas maiores que 1 metro ou 5 degraus)
- Mais de 1 episódio de vômito
- Amnésia por mais de 30 minutos
- Glascow menor que 15 depois de 2 horas.
- Fratura aberta ou deprimida de crânio suspeitada (sinal do Guaxinim, sinal de Battle, otorréia/rinorréia, hemotímpano)
Critério de Nova Orleans
- 60 anos ou mais
- Intoxicação (leia-se álcool)
- Cefaleia
- Qualquer vômito
- Convulsão
- Amnésia
- Trauma visível acima da clavícula
O artigo é muito esclarecedor, onde eles vão analisando cada item das diferentes regras e comparando com achados tomográficos. É importante ressaltar que a ausência de quaisquer fatores das duas regras possui um risco de lesão importante de 0.31% (Canadense) e 0.61% (New Orleans). E a decisão de observar ou tomografar quando um ou mais fatores estão presentes depende do julgamento clínico, o famoso bom-senso.
Desse modo, os pacientes com TCE leve podem ser liberados com orientações de retorno, caso não apresentem nenhum dos itens de qualquer uma das duas regras. Orientações de retorno que os autores do artigo explicitam: múltiplos episódios de vômitos, cefaleia severa ou que piorou, convulsões ou rebaixamento do nível de consciência.
O que esse artigo nos esclarece? Qualquer TCE não é igual a TC automaticamente. Muito menos radiografia de crânio para adultos, coisa do século passado [10]!
“Tomografar ou não” já é uma questão para qual possuímos ferramentas validadas na literatura. Vamos aplicar a Medicina Baseada em Evidências no nosso dia-a-dia!
Referências Bibliográficas:
1 – Coronado VG, Xu L, Basavaraju SV, et al; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Surveillance for traumatic brain injury-related deaths—United States, 1997-2007. MMWR Surveill Summ. 2011;60(5):1-32.
2 – Gaudêncio TG, Leão GM; A Epidemiologia do Traumatismo Crânio-Encefálico: Um Levantamento Bibliográfico no Brasil. Rev Neurocienc 2013;21(3):427-434
3 – Maia BG, e cols; Perfil Clínico-Epidemiológico das Ocorrências de Traumatismo Cranioencefálico. Rev Neurocienc 2013;21(1):43-52
4 – Kehoe A, Smith JE, et al. The changing face of major trauma in the UK. Emerg Med J 2015;32:911-915 doi:10.1136/emermed-2015-205265
5 – Kelly AB, Zimmerman RD, et al; Head Trauma: comparison of MR and CT–experience in 100 patients. AJNR Am J Neuroradiol. 1988 Jul-Aug;9(4):699-708.
6 – Cheung PS, Lam JM, Yeung JH, Graham CA, Rainer TH. Outcome of traumatic extradural haematoma in Hong Kong. Injury. 2007;38(1):76-80.
7 – Easter JS, et al. Will Neuroimaging Reveal a Severe Intracranial Injury in This AdultWith Minor Head Trauma? The Rational Clinical Examination Systematic Review. JAMA. 2015;314(24):2672-2681.
8 – Stiell IG,Wells GA, Vandemheen K, et al. The Canadian CT Head Rule for patients with minor head injury. Lancet. 2001;357(9266):1391-1396.
9 – Haydel MJ, Preston CA,Mills TJ, Luber S, Blaudeau E, DeBlieux PM. Indications for computed tomography in patients with minor head injury. N Engl J Med. 2000;343(2):100-105.
10 – Royal College of Radiologists – The ‘Do not do’ recommendation – skull x-rays for head injury. https://www.rcr.ac.uk/audit/%E2%80%98do-not-do%E2%80%99-recommendation-skull-x-rays-head-injury